Em Outubro de 2007, eu e minha namorada Mog fomos para Minas Gerais, então resolvemos conhecer a tão famosa Ouro Preto. Na hora pensei:
"Putz, só tem igreja velha e museu, vai ser um saco."
Mas já na primeira igreja visitada me surpreendi com a beleza e a complexidade das pinturas e esculturas (em madeira e pedra). Arte eu admiro quando olho e penso "nossa, o cara demorou muito tempo para fazer isso". Então posso dizer que admirei muito a arte barroca, pois é tudo muito trabalhoso e detalhista.
Andamos por tudo, no sobe e desce de ladeiras vimos muitas casas antigas e bem conservadas, povo simpático, paisagem bonita, mina de ouro, preços acessíveis, comida boa, trânsito insano, histórias de antigamentes, cultura e conhecimento.
Enfim, Ouro Preto é uma cidade que vale a pena conhecer!
Ida
De Caxambu viemos de ônibus até Belo Horizonte. Na rodoviária compramos a passagem para Ouro Preto (empresa Pássaro Verde, guichê 7, R$ 17,85) e o ônibus saiu logo em seguida, nem tivemos que esperar muito.
A paisagem no trajeto é bonita, passando por uma serra. Após duas horas de viagem chegamos na rodoviária de Ouro Preto. Ali tem um balcão de informações turísticas onde pegamos um (imprescindível) mapa da cidade.
O centro da cidade ficava a poucas quadras. Era fim de tarde e saímos à pé para procurar uma pousada. Vários guias turísticos nos abordaram nas ruas, para nos ajudar (e ganhar uma comissão das pousadas). Bom pra eles, bom pra nós. Um guia rapidamente nos mostrou três pousadas na faixa de preço que estávamos procurando.
Será que os olhares perdidos de recém-chegados e as mochilas pesadas indicavam que somos turistas? :)
Ficamos na Pousada Tiradentes, que fica em um prédio bem antigo (e conservado) em frente à Praça Tiradentes. Como eram quatro diárias em baixa temporada, pagamos R$ 70,00 por dia, o casal. Quarto simples e limpo, café da manhã simples, era o que procurávamos. Localizada no coração do centro da cidade, pegamos o quarto dos fundos, assim não ouvíamos o barulho da praça e ganhamos uma vista animal:
A cidade
Aquilo que já sabíamos sobre a cidade confirmou-se: muitas ladeiras, ruas estreitas, casas antigas e várias igrejas. Mas mesmo assim ficamos surpresos do quão íngremes são aquelas ladeiras. Você pode ver as fotos, assistir os vídeos. Mas só estando lá para sentir a dor na panturrilha e pensar "como essa gente agüenta subir isso todo dia?".
E isso com o agravante de as ruas serem de pedra (irregulares e escorregadias) e as calçadas, quando existentes, estreitas a ponto de caber no máximo duas pessoas (abraçadas). Na prática as pessoas dividem a rua com os carros, motos e ônibus. Bicicleta não tem muito não :)
Por falar em trânsito, ele é insano:
- Há bastante veículos, mas não há semáforos nem preferenciais. Em caso de dúvida, o motorista que olhar com a cara mais feia ganha a passagem.
- O tráfego de ônibus é intenso, e eles gostam de correr.
- Caminhões pequenos (com furgão) também transitam sem muito cuidado.
- Os motoqueiros parecem ignorar as ladeiras: aceleram e freiam bruscamente, sempre.
- Há muitas pessoas andando no meio da rua, moradores e turistas.
- As ruas são íngremes, escorregadias e estreitas.
- É o inferno das auto-escolas :)
A paisagem é muito bonita: a cidade é um sobe-desce composto por várias igrejas suntuosas que destacam-se em meio a um mar de casinhas antigas amontoadas, tudo isso cercado por uma cadeia de montanhas.
O centro histórico é muito bem preservado. Todas as casas estão restauradas e bem pintadas, é bonito de ver. Disseram-nos que a prefeitura obriga os proprietários a manter as características arquitetônicas das casas, impedindo reformas que as modifiquem. Ruim para eles, bom para nós. Além das casas, há fontes, adornos, muros de pedra e outros componentes que completam o ambiente.
Igrejas
As igrejas são as atrações mais famosas da cidade e realmente vale a pena visitá-las, mesmo que você não seja católico. Era o nosso caso: não sabíamos nada sobre santos, irmandades e costumes católicos.
A maioria das igrejas cobra uma entrada barata (dois, três reais) dos visitantes e não deixa tirar fotos. Dizem que o flash da câmera estraga as obras e que querem preservar o seu direito de imagem. Tudo bem, na Internet já tem bastante fotos do interior dessas igrejas. O bom mesmo é entrar e ver de perto.
Curiosidade: O furto em igrejas era muito comum, todas as que visitamos em algum ponto o guia fala "aqui tinha um XXX que foi roubado". Uma pena. As igrejas contavam apenas com a proteção divina... Hoje há câmeras e alarmes para evitar os roubos.
É impressionante ver as obras pintadas no teto e entalhadas nas paredes, feitas por gênios como Aleijadinho e Mestre Athayde, entre outros. Cada igreja levou vários anos para ser construída e outros tantos para ser decorada. Algumas esculturas em madeira foram feitas diretamente no local e são cobertas por lâminas (ou pó) de ouro, dando-lhes um aspecto ainda mais imponente. Algumas pinturas do teto foram feitas no chão e depois suspensas e outras foram pintadas diretamente na "nave" da igreja. LER? DORT? Não, que isso, imagina...
Das igrejas que vimos destacam-se a Igreja de São Francisco de Assis e a Matriz Nossa Senhora do Pilar por sua abundância em ouro, prata e obras belíssimas. Por um motivo inverso, outra igreja nos chamou a atenção pela sua simplicidade: Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que foi a igreja construída e freqüentada pelos escravos.
Dica: Pegue um guia. Eles ficam nas igrejas e se oferecem para te explicar as obras. Alguns têm preço fixo, outros pedem "qualquer coisa". Ver a obra é legal e impressiona. Mas quando o guia fala "esse anjo com as roupas rasgadas significa XXX" ou "na época que o artista fez isso, as pessoas XXX, por isso essa obra tem XXX", a obra adquire ainda mais valor. Sem guia dificilmente você capta os detalhes.
Feira de Pedra Sabão
A feira fica a uma quadra da Praça Tiradentes e tem várias bancas onde os artistas locais produzem e vendem seu artesanato. Fora poucas obras feitas de algum outro material, a grande maioria das peças é de pedra sabão.
O preço é bem acessível, com muitas peças custando menos de R$ 5,00. Vimos tudo em menos de uma hora, pois são praticamente as mesmas peças em todas as bancas, porém com qualidades diferentes, dependendo do capricho e talento do artista.
Dica: Cuidado que apesar de ser de pedra, é frágil. Tem que embalar bem para trazer na mala.
Museu da Inconfidência
Gostamos de visitar o museu (R$ 6,00), que fica na Praça Tiradentes* (sempre ela). É um prédio antigo, porém muito bem conservado. Antigamente era uma cadeia e hoje é um museu modernoso.
Seu acervo é imenso, com roupas, móveis, armas e utensílios da época. Só que muitas peças estão sem descrição, você olha e se pergunta: "o que é isso?". Os textos explicativos estão em painéis e nem sempre é fácil associá-los ao que você está vendo. Ponto negativo.
Nos divertimos com os computadores em que tocávamos na tela para ver vídeos, ler informações e até jogar joguinhos, tudo no contexto da Inconfidência Mineira. Brincando ficamos sabendo detalhes da vida dos inconfidentes e do que aconteceu com cada um deles. Ponto positivo.
Nota para os leitores nerds: era Flash + touchscreen.
Casa dos Contos
Outro lugar que gostamos muito de visitar foi a Casa dos Contos (R$ 3,00), um casarão enorme construído para abrigar um único morador e seus 40 escravos, que mantinham tudo funcionando.
No porão funcionava a senzala e ali há uma exposição de vários utensílios que eram utilizados pelos escravos (ou por seus feitores, para castigá-los). O chão é do tipo pé-de-moleque, com pedras arredondadas (tipo as de rio) colocadas bem espaçadas, o terror para as mulheres de salto :)
Atualização em 27/09/2012: Segundo comentário da Lívia Borges, ali não era a senzala, e sim o estábulo.
O trabalho de restauração do casarão foi exemplar, assistimos um vídeo no local que mostra que tiraram até 10 camadas de tinta para encontrar a pintura original do teto. Tem que ter muita paciência...
Ali também era feita a fundição de todo o ouro extraído pelos mineradores, bem como a separação do "quinto", a taxa obrigatória (20%) imposta pela coroa de Portugal que gerou insatisfação geral. Essa história hoje é contada por objetos e painéis explicativos espalhados pela casa.
Vale mesmo a visita.
Dica: Não se acanhe, pergunte, peça para os funcionários te explicarem mais sobre a casa e sua história. É uma viagem no tempo.
Mina de Santa Rita
A visita à mina de ouro desativada foi o melhor passeio que fizemos. Uma viagem aos tempos da escravidão e da febre do ouro da "Vila Rica".
Custa R$ 10,00 por pessoa e vale cada centavo. Um guia acompanhada toda a exploração da mina, contando histórias da época e mostrando como era feito o trabalho de mineração. Diversão e conhecimento ao mesmo tempo.
Antes de entrar, vestimos touca no cabelo e colocamos um capacete de peão de obra, para proteger a cabeça. É necessário pois o buraco é pequeno, tivemos que nos agachar em vários trechos.
Cada vez que eu batia o capacete no teto agradecia por ele estar ali, entre a rocha dura e a cabeça de um turista distraído, que parecem atrair-se :)
Olhando de fora, a mina é um morro com um buraco na pedra. Com cerca de 1,80 de altura na entrada, esse buraco foi aberto pelos escravos na picareta, séculos atrás. A única mudança que fizeram na mina foi puxar pontos de luz para os turistas enxergarem melhor.
Fomos andando mina adentro, ouvindo as explicações do guia. Ele nos mostrou os "veios", que são os riscos na pedra que indicam onde está o ouro. Vimos pedras de quartzo em seu estado natural e água que verte das pedras. Ouro? Que nada :)
A sensação é de prisão. Nós ali encolhidos, naquele ambiente sem luz natural, sem barulho, sem nada. É fácil imaginar o terror que é ficar preso em um lugar desse. Andamos cerca de 200 metros mina adentro, até chegar em um trecho onde só podia continuar arrastando-se pelo chão enlameado. Voltamos, e ao ver a luz do dia, que alívio :)
Um pouco de história, que ouvimos do guia:
Apenas escravos baixinhos e fortes trabalhavam nas minas, para que o buraco não precisasse ser muito grande. Para garantir a mão de obra, adolescentes altos eram castrados e os baixinhos podiam ter 15 mulheres cada um. As mulheres eram obrigadas a terem filhos todos os anos.
Enquanto os homens quebravam pedras dentro na mina, mulheres e cegos ficavam do lado de fora sob os olhos atentos do feitor, peneirando as pedras para encontrar o ouro, que vinha somente em pó. As escravas misturavam pó de ouro à lama e passavam no cabelo, depois nas igrejas lavavam os cabelos e peneiravam novamente o pó de ouro, indo juntando aos pouquinhos para comprar sua alforria (libertação).
O turno de trabalho começava às cinco da manhã e terminava às sete da noite. Catorze horas diárias de trabalho pesadíssimo, tendo como alimento, três bananas de manhã e outras três à tarde. Havia descanso apenas três dias por ano.
As crianças começavam a trabalhar cedo, aos cinco anos de idade. Com essa rotina insana de trabalho e as doenças respiratórias que a mina provocava, os escravos morriam com 22 anos de idade.
Curiosidades
São muito populares as "negonas", bustos de mulheres (de barro, pintados) numa pose como se estivessem debruçadas na janela. De fato, o pessoal gosta de colocá-las nas janelas, de longe parecem gente de verdade.
Há muitas repúblicas de estudantes na cidade (mais de 200), só que para morar em algumas delas, antes o bixo (calouro) precisa passar pelo trote. Ele/ela ganha uma placa enorme e ridícula, e deve utilizá-la sempre, em todo lugar que vá. Alguns ainda precisam colocar perucas ou deixar que raspem seus cabelos de maneira "criativa". São vários deles andando pelas ruas, isso já faz parte da cultura local.
Ele cheira. Você também? :)
Atualização: Em janeiro de 2011 o amigo Osni Passos mandou uma foto recente da placa, que agora deixou de ser uma atração turística:
Volta
Antes de partir, pegamos a Maria Fumaça e fizemos um passeio de um dia em Mariana, cidade próxima com mais igrejas e casarões antigos. Muito bacana! Leia mais...
Hora de ir embora. Fizemos nossa última caminhada pelas ruelas, em direção à rodoviária. Lá pegamos o ônibus para Belo Horizonte (R$ 16,95) e acabou a brincadeira em Ouro Preto.